Una nueva generación agita Río de Janeiro
Cinco historias de jóvenes que dinamizan a la capital carioca con proyectos autogestivos relacionados con la cultura, la comida, el entretenimiento y el arte.
THIAGO VEDOVA
Apoiado sobre um carro estacionado na Rua Irineu Marinho, onde se encontra com a equipe de reportagem para participar da sessão de fotos ao lado de outros quatro jovens que representam a nova geração de agitadores culturais da cidade, Thiago Vedova, de 33 anos, corrige um calhamaço de provas de Geografia. Está de camisa social branca abotoada, calça jeans e tênis. Acaba de sair da aula. Há 12 anos, é professor da Escola Parque, onde também estudou. Tudo começou com o episódio do sequestro do Ônibus 174.
— Era aluno do terceiro ano e fiquei muito assustado e mobilizado porque eu e várias pessoas pegávamos aquele ônibus. Formamos um grupo chamado “Atuação”, juntando grêmios de várias escolas, e criamos um pré-vestibular comunitário — lembra Thiago, que entrou na faculdade de Geografia determinado a se transformar em professor.
A vida dupla está em sua gênese. Ao mesmo tempo em que, lá atrás, começou a dar aula (das 7h20m às 13h, de segunda a quinta-feira), trabalhou com o pai em um circuito de vôlei de praia. Sua função era de produtor de uma oficina do evento esportivo. Corria atrás de bandas, recebia músicos e organizava shows. A intensa rotina é “um exercício de ginástica mental e um trabalho de agenda”, ele define.
— O perfil de agitador cultural poderia ser algo ruim para o trabalho como professor. Mas não é. O Thiago é um cara extremamente comprometido com a escola e as suas questões pedagógicas. O que ele faz fora agrega dinamismo e significado — avalia Sância Velloso, orientadora docente da Escola Parque.
Como consequência do papel de produtor, pintou um casting de músicos de quem foi empresário: Bondesom, Tono, Letuce, Qinho, Jonas Sá, Os Outros.
— Chegou um momento em que eu tinha de dez a 12 artistas. Só que era um trabalho de ficar furando gelo. De achar espaço, de criar um caminho de circulação desses artistas. Isto me levou a buscar novas casas em que eles pudessem se apresentar — explica Thiago.
Bateu nas portas do Espaço Cultural Sérgio Porto, Oi Futuro, Teatro Ipanema e Planetário. Seduziu a todos. Inscreveu projetos em editais, foi selecionado. Entre idas e vindas, virou curador musical destes palcos. Todos com capacidade para cerca de 200 pessoas.
— O Thiago consegue traduzir o que é o DNA deste espaço (Oi Futuro). É o nosso radar que pega a música contemporânea brasileira que está mobilizando a internet e materializa isso no palco. Tem bandas que eu nunca tinha ouvido falar, como Baleia e Dônica, que ele me apresentou — observa Roberto Guimarães, gestor cultural do Oi Futuro.
Plantou o Dia da Rua, festival de música que começou pequenininho nas ruas do Leblon e de Ipanema, em 2008, e hoje ocupa a orla com dez palcos. Na prática, lidera uma equipe de 50 pessoas (15 produtores, 15 seguranças, eletricistas, técnicos de som e companhia). O orçamento chega a R$ 200 mil. Em 2013, tomou a decisão de pisar no freio e parar de trabalhar como produtor-empresário. Ficou “apenas” com as casas e os projetos.
— Com o tempo, trabalhar com artista é muito difícil, porque você lida com o sonho das pessoas. Rolava competição, cobrança e pouca grana — diz o agitador.
Para “piorar a vida”, ele conta, deixou transbordar o talento para o empreendedorismo. Foi sócio de uma gravadora, a Bolacha Discos, e criou uma rede de viagem escolar, a Verde Fato. Hoje, é parceiro da MatériaBrasil, empresa de design sustentável e conhecimento; um dos dez fundadores de um espaço colaborativo na Zona Portuária, chamado Goma; e sócio da Tucum, empresa social que comercializa artesanato de povos indígenas.
— É uma loucura porque trabalho com índio, meio ambiente, educação e música. É militância, né? Mas é paixão — conclui Thiago, que, quando não está na rua, respira e trabalha de casa, em Copacabana.
VERUSKA DELFINO
Sentada em uma mesa com colagens sobre o tampo, de frente para uma larga janela, Veruska Delfino, de 28 anos, segura uma caneca de café em que está escrito passado, presente e futuro em inglês — língua que não fala. Com a outra mão, rabisca traços aleatórios em um papel enquanto discorre sobre os 36 projetos que coordena na Agência de Redes Para Juventude, cuja sede é na Lapa.
A conversa é longa para chegar até aí. Em ordem cronológica, Veruska nasceu em Caxias, no Maranhão. Aos 9, veio acompanhada de um jovem tio para o Rio. A viagem de ônibus, que durou três dias, ela intitula como “a melhor da vida”. Como os dois eram menores de idade, sua mãe foi apresentá-los aos passageiros, pedindo que cuidassem bem deles.
— Vim muito empolgada. Tinha toda a mítica de viajar para o Rio de Janeiro. Eu nunca tinha saído de Caxias. Lembro que trouxe R$ 60 e cheguei com R$ 52. O ônibus estava vazio, e as pessoas compravam lanches para nós nas estações.
Seu primeiro endereço na cidade foi na bucólica Rua Viúva Lacerda, no Humaitá, onde a avó trabalhava como doméstica. A temporada durou seis meses.
— Saí de uma casa que era uma chacarazinha com pés de goiaba e caju. As ruas da minha cidade eram de terra. Chegar ao Rio era outro mundo. E era real.
Da Zona Sul, mudou-se para a Vila do João, na Maré. O primeiro impacto foi não entender o porquê de seus amigos da escola e vizinhos dizerem que moravam em Bonsucesso. O clima no complexo esquentou. Veruska se lembra das noites em que dormia no chão da casa, para se proteger de balas perdidas. A tarde de domingo em que foi surpreendida por um tiroteio foi a gota d’água: mudou-se para Belford Roxo.
Continuou estudando na Glória, onde, aos 13, apareceu o primeiro amor: o teatro. E a primeira ponta em uma peça. Mudou-se de novo. Para Santa Cruz. Onde imaginava que seria infeliz.
— Santa Cruz é o meu lugar no Rio. Volto para lá e me sinto em casa — Veruska contradiz a primeira impressão.
A verve de agitadora cultural brotou na região. Ao lado de três amigos, “tirou uma ondinha”, ela brinca, fundando a trupe de teatro Cia Última Estação. Montaram espetáculos e contaram histórias de moradores do bairro. Veruska produziu, atuou, inscreveu projetos em editais, ganhou.
— Produzia sem entender direito o que era produção. Atuava, cuidava da grana. Gastamos tudo de forma maluca. O espetáculo não ficou tão bom. Percebi que ter dinheiro não significava que a gente criaria coisas boas — reflete.
Nesse contexto, tropeçou no diretor teatral, agitador cultural e colunista do GLOBO Marcus Faustini, espécie de padrinho. Recebeu dele a proposta para trabalhar na Escola Livre de Cinema, em Nova Iguaçu. Mais tarde, outro convite: para assumir a vaga em que atua hoje.
— A gente tem uma pegada de encorajar os alunos a produzir as coisas. O artista da periferia tem que pensar a vida e a cidade. A Veruska de pronto mostrou essa curiosidade, viabilizando encontros. Ela traduz o Rio em que eu acredito — diz Faustini.
Sua função na agência é a de equilibrar muitos pratinhos. Dois deles são os projetos “Inclusive”, na Rocinha, que promove teatro na casa de moradores a partir de histórias de jovens com dislexia; e o “CineBatan”, que circula em espaços públicos da comunidade do Batan.
— Tenho que garantir a realização de 36 projetos. Conheço os 350 jovens pelo nome. Sou muito presente. Tenho a necessidade manual de colocar o corpo, de pegar uma extensão e ligar a caixa de som. Não consigo desvincular trabalho dos meus gostos pessoais.
Se tivesse poderes mágicos, o dia teria mais horas e ela teria um clone. As noites de sono, que costumam render quatro horas, poderiam durar apenas duas.
— Estou me reeducando. Antes, começava a assistir a uma série e via tudo de uma vez. Agora, vejo um capítulo por noite e só — conta Veruska, que é solteira e divide apartamento, com um professor de Filosofia, na Glória.
Para o trabalho, geralmente vai andando. Mas já foi de avião também. Este ano, foi convidada para fazer uma apresentação no Parlamento do Reino Unido. Em 2014, participou de um projeto que abrange os temas juventude e voluntariado nos Estados Unidos.
— Conheço mais lugares nos EUA que no Brasil. E olha que sou muito nacionalista. Foi uma experiência louca. Falei sobre o meu trabalho a partir de todos os olhares, da faxineira ao idealizador.
Os sonhos para o futuro são (quase todos) pé no chão. Como se formar em Teatro e tirar carteira de motorista.
— Talvez seja utópico, mas acho que sempre vou ter a necessidade de mobilizar, de transformar o mundo ao meu redor — deseja Veruska, que, no improviso, dá aulas de teatro às sextas-feiras para a equipe que trabalha com ela na agência.
PEDRO VARELLA
O casarão verde-claro está localizado no topo de uma ladeira de paralelepípedos, na fronteira entre Lapa e Santa Teresa. Pedro Varella, de 29 anos, está diante dele. E também num limite (próprio) entre arte e arquitetura, ou entre academia e prática. Ele é um dos nomes do escritório gru.a., formado originalmente por três arquitetos e multiplicado em parcerias a cada nova empreitada pela cidade.
— O nome é uma abreviação para um grupo de arquitetos. A gente não se sente à vontade de botar os nossos nomes, como se fazia antigamente. Assim, conseguimos levar o escritório para além de nós mesmos. Arquitetura não se faz sozinho. Nunca fiz um projeto sozinho — defende ele, que divide o escritório com os “fixos” Caio Calafate, Sergio García-Gasco e André Cavendish, além de dar aulas no IED-Rio e na Universidade Santa Úrsula.
No mais recente trabalho, Pedro tem como parceiro o holandês Sjoerd ter Borg. A dupla foi escolhida por curadores para participar da residência artística Holanda-Brasil (Hobra) no segmento arquitetura. Parte do calendário cultural da Olimpíada do Rio, o projeto, que acontece este mês, reúne artistas de diferentes áreas.
— A arquitetura tem questões muito técnicas. A dificuldade é saber transmitir isso fora do circuito. Nesse tipo de projeto, você tem a oportunidade de conversar com pessoas de diferentes campos — explica. — Mas ainda assim me considero arquiteto e não artista. O caminho passa mais por entender arquitetura como arte do que fazer com que os arquitetos produzam arte fora da arquitetura.
A incursão no mundo da arte já rendeu a ele o primeiro lugar no Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake, que celebra projetos construídos durante os últimos oito anos. Por ironia, a obra em questão foi temporária. O trabalho, em parceria com o amigo Julio Parente, consistiu na construção de um andaime na Praça XV, no local onde passava a antiga Perimetral. Batizada de Cota 10, a plataforma ficava a exatos dez metros do chão, mesmo nível em que circulavam os carros, num convite à reflexão sobre o processo de desenvolvimento da cidade.
— O Pedro tem uma não obsessão pela construção, um cuidado com o que já está ali. Parece simples, mas vai contra o ímpeto do arquiteto de criar. Ele consegue atuar de forma precisa, pensando a cidade como um organismo vivo e preexistente. Ele entende que o ponto zero da criação não é uma página em branco. A cidade está ali — aponta João Paulo Quintella, curador do evento Permanências e Destruições, durante o qual o Cota 10 foi exibido.
A Avenida Chile, a alguns quarteirões do escritório, é referência para ele sobre o modelo de cidade. Mais precisamente o térreo do edifício do BNDES, por onde circula-se livremente.
— Hoje em dia, a gente vai andando pelas ruas e os edifícios construídos nas décadas de 1960 e 1970 são todos cercados com essa grade horrível que está estragando a cidade. A arquitetura, os edifícios e os lotes privados podem contribuir para o ambiente urbano — frisa ele, que também está por trás do gigantesco Pavilhão Humanidade, na Rio+20, e da nova sede da Comuna, no Centro.
A integração com a cidade foi, talvez, o diferencial para que o projeto do gru.a vencesse o concurso para construção de um anexo da Casa Rui Barbosa. O futuro prédio, para o acervo da fundação, prevê uma praça integrada com a rua.
— Competimos com nossos professores e com escritórios que admirávamos. Depois de três anos de elaboração do projeto, estamos aguardando a fundação arrecadar os recursos para a construção.
Num horizonte próximo, a intervenção de Pedro nos teatros da Casa de Cultura Laura Alvim, com previsão de abertura durante os Jogos, estará disponível aos cariocas.
— É uma geração que está atenta aos cruzamentos entre arte e cidade, bastante comprometida com questões urbanas. E que também já entra no mercado se dando conta de que não se faz nada sozinho. Um mais um é três — define o arquiteto contemporâneo Pedro Évora, do Studio-X.
BRUNO EPPINGHAUS
A bordo de um mototáxi, Bruno Eppinghaus, de 30 anos, chega ao ponto de encontro combinado para a entrevista, a Praça XV, antes da repórter, atada no trânsito. A sugestão do lugar é do próprio. Mas não é na praça, exatamente, onde quer se acomodar. Caminha na diagonal em direção ao estacionamento das barcas. Percorre a recém-nascida Orla Paulo Conde e aponta para um banquinho embaixo da copa de uma árvore, em frente a uma das seis faces do restaurante em formato de hexágono Albamar. Entrega de cara duas de suas aptidões: a de andarilho (“Faço tudo a pé”, diz) e a de olheiro da cidade. Não no sentido de caçador de talentos. Suas antenas estão sempre arrebitadas para desbravar e ocupar novos endereços no Rio.
— Olha essa vista. Não tem prédio em volta. Não tem morador para incomodar com barulho. É um espaço amplo, revitalizado. Um achado — divaga Bruno, mirando a Baía de Guanabara.
No lado avesso ao espelho d’água, a Praça Marechal Câmara, como a área foi batizada, tem uma passagem subterrânea escolhida para ser o palco do projeto “Ocupação Frente Marítima”, que terá festas e um cineclube no próximo fim de semana. O evento não é iniciativa de Bruno, mas tem seu dedo. Literalmente. Sábado, será DJ residente da Acarajazz.
— O Bruno é um curinga. Além de DJ, pega a parte de produção. É um cara flexível, está sempre aberto a fazer eventos na rua — defende David Coelho, um dos produtores da Acarajazz.
Mesmo que fosse possível multiplicar Bruno, ainda assim sua energia surpreenderia. Ele faz curadoria, produção e bota o som na caixa no Clube Vertigem, na Festa Barberagi, no bloco Vamo E.T e no Quintal, entre outros. Formado em Jornalismo, entrou na faculdade aos 17, trancou o curso para jogar futebol de salão profissional, e voltou quatro anos depois. Estagiou no programa “Recorte cultural”, de Michel Melamed, na TV Brasil, e enveredou para a produção de audiovisual. Na companhia de nove amigos, fundou, em 2011, a SerHurbano. Traduzindo:
— Sabe qual é uma palavra que define? Entretenimento. Se você precisar de uma festa, a gente faz. Se você precisar de um bar, a gente faz também. Acho que é uma plataforma de conexão, de rede — propõe o morador de Santa Teresa.
Um “marco da SerHurbano”, como diz, é o festival O Passeio é Público: encontro entre 15 coletivos que ocupam a cidade com eventos itinerantes como Leão Etíope do Méier, Sarau do Escritório e Quermesse. Aconteceu pela primeira vez no ano passado, no Passeio Público.
— O grande mistério da rua é como ganhar dinheiro sem patrocínio. Vai cobrar entrada? Não, você vai passar um chapéu. E quem contribui mais, posso te falar? É quem já passou pela experiência de rodar um chapéu. Tem gente que joga um saco de pipoca; tem o pai de família que dá R$ 50 — ele pondera.
Outro xodó da SerHurbano é a ação em que a turma pintou duas escadarias no Bairro de Fátima, uma delas com uma imagem de Carmem Miranda, e duas no Morro Dona Marta. A ideia é de Ramique Mello, produtor e parceiro de Bruno.
— É um cara fácil de lidar, nada tira ele do sério. E tudo em que toca dá certo. Acho que é uma mistura de sorte com competência — resume Ramique.
Uma cidade-modelo para Bruno é Bogotá, Colômbia. No Brasil, responde de pronto: São Paulo. Já o Rio…
— Tudo é difícil e burocrático. Nossos eventos ficam em um limbo. A gente não é artista de rua e não faz evento corporativo. Então, não tem uma legislação. A nossa relação com a cidade vem mudando, mas ainda precisamos ter uma cidade mais humana. Um professor meu define as áreas que ocupamos como zonas autônomas temporárias. Eu acredito nisso — aposta Bruno, que será pai de Zoé em agosto.
THIAGO NASSER
Ele pede desculpas e interrompe a conversa para responder a uma mensagem no celular. “É que estou preocupado com as cenouras”, explica, retomando a atenção para a interlocutora. Os legumes são para um jantar que Thiago Nasser, de 35 anos, organiza entre amigos vez por outra para celebrar a cozinha portuguesa e a simplicidade de ingredientes. Pouco depois, para novamente. Atende um entregador que chega com potes de granola. São para outro evento, um café da manhã no Museu do Amanhã com menu elaborado a partir de produtos da Junta Local, rede de produtores artesanais e pequenos agricultores alavancada por ele e dois amigos, Henrique Moraes e Bruno Negrão, há dois anos.
— É isso. A gente escreve conteúdo, produz as feiras, escreve edital, é garçom quando tem evento, faz faxina e limpa banheiro. Não tem essa de ser apenas produtor — define sobre seus papéis múltiplos.
Filho de pais mineiros — uma professora de francês e um agrônomo da Embrapa —, Thiago nasceu em Pullman, cidade universitária em meio a plantações de trigo nos Estados Unidos. Morou no Canadá na infância (onde aprendeu a fazer panquecas) e em Brasília até os 23 anos. Na cidade, prestou concurso para o Itamaraty (sem sucesso) e trabalhou num escritório de advocacia até se mudar para o Rio. Aqui, fez mestrado em Ciência Política (foi bolsista nota 10) e doutorado na UERJ, com um ano de residência na França.
— Voltei da Europa e decidi mudar a tese. O que me dava felicidade era cozinhar, e vi que dava para escrever sobre isso. Meu orientador topou, e virei um alienígena no departamento. O maluco da comida — lembra ele, que dividia os estudos na época com o trabalho em um bufê e outro de tradução.
O estudo tratou sobre as mudanças na cultura gastronômica e o papel dos chefs-celebridades. E foi um pontapé nas discussões para criar uma plataforma de baixo custo e participativa para engajamento entre pequeno produtor e consumidor.
— A gente fica muito à mercê de modas passageiras, dieta sem glúten. Para comer bem, precisamos de acesso a bons produtos e produtores, pessoas cuidando da terra — define. — Comida é uma forma de atuação política. Na Junta, usamos a comida como motor de democratização do espaço público.
Inicialmente, o coletivo surgiu como uma plataforma na web para venda de produtos artesanais, a chamada Sacola Virtual. Mas logo perceberam que era preciso integrar produtores e consumidores.
— Nada repõe a interação direta. A gente está falando de comida. Não é como vender música ou livro na internet, que você oferece um MP3 ou um PDF. A pessoa tem que colocar aquele “trem” na boca — defende, revelando suas raízes mineiras. — Política e prazer. Mudança através do gosto. Botar na boca e sentir que o cuidado nos ingredientes e no cultivo tem resultado no sabor.
Assim, surgiu a primeira feira da Junta Local, em 23 de agosto de 2014, coincidentemente Dia do Feirante. Eram 14 produtores. Sete pedidos foram encomendados pela internet, incluindo os de parentes. Hoje, são mais de 50 produtores, 38 edições da feira e uma média de 250 compras via site.
— No Rio, as feiras são de revendedores. O cara compra na Ceasa e não sabe de onde vem aquilo. O diferencial é ser bom de lábia, fazer um trocadilho infame com a verdura, mas ele não é um produtor. As feiras dos circuitos orgânicos são, geralmente, de produtores, mas chatas à beça. Só tem uma tapioquinha, arroz integral e acaba às 14h. A ideia era fazer uma feira vibrante, que não fosse exclusiva para o público natureba, nem seguisse a fórmula segura dos foodtrucks de hambúrguer, brownie e cerveja — alfineta.
Há um mês, a Junta funciona como uma associação, ou um “modelo ajuntativo”, como definem. Assim, produtores dividem custos que assumiriam sozinhos, como um ensaio fotográfico, transporte ou aluguel de um espaço de armazenamento.
— Parece que a gente encontrou o petróleo. Foi um crescimento rápido porque o projeto tem uma dinâmica própria. Os produtores e consumidores são divulgadores. Agora, a ideia é sair da bolha da Zona Sul em que crescemos e nos inserimos. Vamos ocupar outros espaços e encontrar outros produtores, aqueles que estão no campo, sem conexão com internet — adianta Bruno Negrão, fundador da Junta e sócio da Comuna.
O próximo passo será o lançamento de uma nova plataforma virtual. A ideia é que o novo sistema permita que outras “Juntas” se formem em bairros e tenham suas sacolas de produtores locais. No início de junho, por exemplo, a Junta pegou a ponte aérea e fez seu primeiro evento em São Paulo.
— A ideia não é crescer e virar um negócio. É ter efeito multiplicador. Assim, essa rede vai passa a existir como um ecossistema de pequenos produtores — diz Thiago, acrescentando que, nas feiras, é “o cara sem noção que fica pra lá e pra cá de megafone”.
Na verdade, o trabalho atencioso de Thiago nas feiras (o “cicerone”, segundo Bruno) é só elogios entre os produtores.
— Não conheço sequer um produtor que tenha começado na Junta e esteja no mesmo patamar hoje. Todo mundo cresceu — afirma Ludmila Espíndola, da Slow Bakery.
Junto com o marido, Rafael Lima, “o” padeiro, ela produzia pães artesanais e vendia pela internet quando participou da feira. Desde então, ampliou as vendas e abriu uma padaria em Botafogo com um crowdfunding. Ludmila resume:
— Juntos somos mais potentes.
Fuente: Nodal Cultura